AEPGA

 

O resgate dos burros Jandira e Ricardo, pelo olhar do voluntário Pedro Flores

Cada vez que um burro é recolhido para ser realojado no Centro de Acolhimento do Burro, o momento é normalmente muito emotivo para as famílias, pela despedida de um amigo de quem se gosta tanto. Este é relato da experiência do voluntário Pedro Flores, que acompanhou a AEPGA durante um resgate de dois animais, Jandira e Ricardo, oriundos das aldeias de Santalha, em Vinhais, e Constantim, em Miranda do Douro, cujos donos não tinham já condições para continuar a prestar-lhes cuidados. Acompanhe-o nesta viagem.

O Resgate de Jandira e Ricardo, testemunho pelo voluntário Pedro Flores:

"Uma parte importante do trabalho da AEPGA é, não só estudar e preservar o Burro de Miranda, mas também, proporcionar as melhores condições de vida a todos os Burros, independentemente da raça.
No dia 13 de outubro, sexta-feira, de 2023, a Associação abraçou mais uma missão de resgate de 2 Burrinhos que, sem a nossa ajuda, iriam sofrer muito e ter um final de vida triste, sem os cuidados mínimos essenciais.
Primeiro é importante desmistificar em que consiste uma missão de resgate e os porquês destas acontecerem.

O resgate de Burros não é sempre feito porque eles são maltratados ou abandonados... a história da Jandira e do Ricardo demonstram precisamente isso. É por isso que é importante partilhar todo o processo para que percebam a logística envolvida, os recursos necessários para uma missão de sucesso, e principalmente a comovente história destes 2 Burricos que com todo o gosto, empenho e dedicação fomos resgatar e ajudaremos até ao fim das suas vidas.
A equipa de resgate foi constituída por 2 pessoas: o experiente Luís Machado, colaborador da AEPGA de há muito tempo. Excelente conhecedor dos Burros e de todos os processos da Associação, e um condutor exímio de camiões e tratores. O outro elemento da equipa fui eu, Pedro Flores, voluntário que passou uma semana na AEPGA. Inexperiente, curioso, dedicado e com muita força de vontade em contribuir para esta causa maior que é o propósito da Associação.

Da nossa base em Atenor, fizemo-nos à estrada precisamente às 9 da manhã em direção à aldeia de Santalha, uns quilómetros para lá de Vinhais. A estrada é boa, mas nesse dia, quase como presságio, o clima estava triste, cinzento. Por vezes com chuviscos, e uma temperatura amena muito diferente dos últimos dias bem quentes no Planalto.
Chegados ao nosso destino, encontramos o Sr. Luciano e mais 3 amigos dele da aldeia. Amigos estes, uma simpática senhora e dois prestáveis senhores, que após o falecimento da esposa do Sr. Luciano, ajudaram e muito a tomar conta da Burrica Jandira. Infelizmente o Sr. Luciano teve um problema súbito de saúde e consequentemente a sua esposa é que cuidava da Jandira. Entretanto, a Senhora faleceu e o Sr. Luciano não consegue dar a devida atenção à Burrica. Os amigos dentro do possível ajudaram, e encontraram o contacto da AEPGA para pedir auxílio.
O Sr. Luciano comprou a Jandira em Chaves, há uns 6 ou 7 anos... a memória não especifica com precisão, dizia ele humildemente. Durante todo o processo, tanto ele como os amigos não pouparam elogios à aparentemente cansada e debilitada Jandira. Uma Burrinha trabalhadora que ajudava imenso a apanhar lenha para aquecer os frios invernos da região, e também ajudava no plantio e colheita do campo. Alguns diziam que também tinha a sua "personalidadezinha" e por vezes lá "levantava as patas" - dizem com um sorriso carinhoso. Já estava parada há um ano porque não havia quem a "pusesse" a trabalhar.

A verdade é que a Jandira se portou muito bem durante todo o processo e entrou calmamente para o camião após uma calorosa despedida do seu dono e amigos que emocionados repetiam como se de uma filha se tratasse: "Não te preocupes Jandira... Não tenhas medo, agora é que vais ficar bem...".
E assim foi o primeiro processo de resgate... calmo e emocionante. Tratamos das papeladas burocráticas que são imperativas e de extrema importância para garantir a conformidade legal do resgate, despedimo-nos, e ainda fomos presenteados com um punhado de castanhas acabadinhas de tirar de um dos tão carregadinhos castanheiros que desfilavam sobejamente à nossa frente.
Estava agora na altura de seguir viagem até Constantim, bem mais próximo do último destino do dia, a aldeia de Duas Igrejas. Fizemos a obrigatória pausa para almoço e descanso do condutor em Vinhais, e seguimos para ir conhecer o Ricardo.
O Ricardo é um Burrinho muito tranquilo com idade já avançada. Do alto dos seus 25 anos, apresentou-se calmo, mas visivelmente nostálgico, pois parecia que já sabia que se iria separar dos seus donos. O Sr. Clemente e a sua esposa não pouparam elogios ao Ricardo... não só à sua capacidade de trabalho para semear e colher batatas, mas principalmente à sua personalidade. Um verdadeiro amigo! Há 2 anos que o Ricardo não trabalhava por incapacidade física do Sr. Clemente em sair com ele, e daí surge o pedido de apoio à AEPGA para que pudéssemos dar todas as condições necessárias para o Ricardo ter um final de vida feliz e acima de tudo digno e confortável.

Mais uma vez o processo foi emotivo, mas descomplicado... após umas trocas de elogios e recomendações, os donos lá deixaram o Ricardo entrar resignada e tranquilamente para junto da Jandira no camião e seguir viagem para o centro da AEPGA em Duas Igrejas.
Não sem antes tratar de toda a papelada, claro.
Fomos a Duas Igrejas deixar os 2 Burrinhos, preparar-lhes uma excelente refeição de boas-vindas com muito feno fresquinho e aguinha da boa. Ficaram calmos e aparentemente felizes... os restantes Burricos já conhecedores residentes, estavam curiosos a espreitá-los, como quem está ansioso para conhecer os 2 novos amigos.
Sim, porque os Burros são, e fazem, amigos!

Regressamos à base com o sentimento de missão cumprida com sucesso, conscientes que após o longo e cansativo dia, fizemos um excelente trabalho, e acima de tudo fomos bons... boas pessoas... bons seres humanos, e essa sensação não tem valor!"