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Voluntaria-te: "O diário de um voluntário da AEPGA", por Pedro Flores

Entre os dias 6 e 10 de Outubro, a AEPGA realizou mais uma edição do Voluntaria-te. Pedro Flores, um dos voluntários, partilhou a sua experiencia desta semana que tão cedo não irás esquecer:

"Um dia, enquanto deambulava pela frenética agitação das redes sociais, vi um anúncio da AEPGA a divulgar o programa Voluntaria-te em Outubro de 2023.

Como já conheço e sou fã desta maravilhosa Associação há muitos anos e sempre quis fazer voluntariado, pensei: " É agora... nem é tarde nem é cedo, vou-me inscrever!". Nesse momento, não imaginava que iria ser das experiências mais espectaculares, inspiradoras e acima de tudo gratificantes da minha, por vezes demasiado atribulada, vida.
Com este texto espero conseguir transmitir o quão boa esta experiência foi para mim e para a restante equipa de voluntários, e possivelmente inspirar outros a inscreverem-se nas próximas edições... sim, porque vão haver mais. O trabalho na Associação para o Estudo e Protecção do Gado Asinino (AEPGA) nunca acaba! (já explico)

Vamos então passar ao diário de voluntário que fui escrevendo e documentando com fotografias durante a semana de 9 a 13 de Outubro de 2023 no belíssimo Planalto Transmontano:
Dia 1: Entusiasmado, e ainda em minha casa no Porto, fiz uma mochila com o que considerava necessário para a semana que se adivinhava de intenso trabalho no campo, e com tudo o que me foi recomendado levar pela equipa da AEPGA. Almocei, dei um beijo na minha cadela e com um enorme sorriso nos lábios "fiz-me" à estrada!

O caminho ainda era longo... quase 3 horas a atravessar o Norte do nosso maravilhoso Portugal, até chegar à pitoresca aldeia de Atenor onde seria depois encaminhado para o nosso "hotel", a humilde mas muito bonita Escola Primária da aldeia de Teixeira, mesmo ali ao lado.
Chegado, cansado, entusiasmado e acima de tudo muito feliz, fui recebido de braços abertos pelas restantes voluntárias que se juntaram a mim nesta experiência: A Monike (uma Holandesa que vive numa aldeia perto de Coimbra e que já se está a tornar numa autêntica Portuguesa); a Rute (uma enfermeira veterinária de Viseu e que vive em Lisboa); e por fim mas não menos importante, a caçula do grupo... a Joana (uma jovem actriz de Aveiro que este ano foi estudar dança para Lisboa).

A introdução foi feita, o nosso "hotel" foi-me profissionalmente apresentado pela Rute, e depois cada um cozinhou o seu jantar e comemos juntos onde outrora foi a sala de aula dos pequenotes! Conhecemo-nos, partilhamos histórias, rimos muito, e no final fomos dormir nos nossos beliches que estavam impecavelmente preparados onde era antigamente o quarto da Senhora Professora. Fui dormir com a plena convicção que ia ser uma grande semana, rodeado de conhecimento, de gente boa e claro... muitos Burros!

Dia 2: O dia começa cedo na aldeia de Teixeira... pela 8 já estávamos nos preparativos para o primeiro dia de trabalho. Ainda meio dormente, quando percebi já estava em Atenor na porta da sede da Associação a aguardar as instruções para o dia.
Fizemos uma curta e bonita caminhada da aldeia para o Centro de Valorização do Burro de Miranda onde se iniciaram os trabalhos. A primeira tarefa do dia foi na realidade muito simples mas prazerosa... alimentar, dar amor e carinho, e monitorizar comportamentos dos nossos amigos Burricos. Divididos em 2 equipas, tratamos de dar feno e as devidas rações (que são determinadas individualmente para cada Burro mediante a sua condição física), aos 2 grupos de burros que se encontram separados: os magros e os gordos... calma, não é discriminação, é apenas porque as necessidades calóricas são diferentes e se tivermos um magrito ao lado de um gordito já sabemos o que acontece... o gordito papa tudo e vai "crescer" ainda mais, e o magrito mais magro ficará! Cada um deve comer a quantidade certa e que seja a ideal para que tenha uma boa saúde.
Depois recebemos pedido para fazer uma emergência em Quintanilha. Eu e a Rute fomos destacados para acompanhar uma das veterinárias da Associação, a Zélia! (nota extra: acho que nunca irei conhecer alguém que ame mais os Burricos do que esta extraordinária pessoa!).

Fizemos cerca de 1:30h de caminho e lá fomos ajudar um casal que tem uma Burrinha que além de extremamente pesada, tem um feitio muito peculiar! Os cascos dela precisavam de uma avaliação profissional e algum tratamento de manutenção, tarefas que a nossa Zélia fez com o maior profissionalismo, apesar das adversidades criadas pela agitação da assustada Burrinha. No final, problema resolvido com sucesso!
Quando já sentia que o dia ia longo, percebi que ainda era hora de almoço... pois é, o tempo na AEPGA é intenso e por isso estamos sempre com a sensação que já passou muito porque já fizemos tanto... e que bom quando assim é!
Fomos para Pena Branca onde está o nosso "lar de 3ª idade" onde almoçamos e ficamos para o resto do dia.
As tarefas da tarde passaram por tratar de algumas pequenas mazelas resultantes do dia-a-dia, curativos a procedimentos médicos feitos anteriormente, e claro alimentar e dar muito amor mais uma vez!
Depois disso, regressamos a Atenor para beber o tradicional copo de tinto ou cervejinha do fim do dia no nosso café no centro da aldeia.
Resumo, um dia em cheio!

Dia 3: Por volta da mesma hora, a equipa acordou em Teixeira e preparou-se para a jornada do dia. O ponto de encontro e a hora eram os mesmos, e por isso nós como voluntários responsáveis não falhamos. Como o espírito de equipa era óptimo, a Monike ofereceu-se para levar toda a equipa para a sede e passarmos mais tempo juntos como uma verdadeira família.
A manhã começou com a rotina da alimentação e observação dos comportamentos dos nossos amigos, e também a tratar algumas maleitas do mais recente membro da família da AEPGA. A mãe teve um pequeno percalço e sem querer provocou-lhe uma lesão e por isso o tratamento constante é imperativo para que o nosso pequenote (ainda sem nome, mas acho que se devia chamar Pedro porque como ele também já tive uns contratempos valentes no que respeita à matéria saúde e felizmente sempre me "safei" como acredito que ele vá!).
Outra das tarefas da manhã, também extremamente importante e interessante, foi auxiliar no processo de reprodução destes fantásticos espécimes. Levar uma Burrica que está no ponto certo para engravidar, ao garanhão que se aplica na função de proliferação da espécie foi algo inesquecível. É a natureza a "acontecer" à tua frente!
Seguidamente, proceguimos para o controle de saúde... recolher fezes para análise (fezes? sim, para perceber se os nossos amigos estão saudáveis ou precisam de ser desparasitados). Todos passam por este processo, e também medimos o torço e avaliamos a condição corporal que é graduada de 0-5 mediante o nível de gordura, ou falta dela, do Burrinho(a).
Mais um dia longo, repleto de tarefas, e ainda nem tinha almoçado! Por isso senti que de facto este programa de voluntariado tem muito impacto. Há mesmo muito que fazer e sempre onde ajudar.
Almoçamos... na parte da tarde, tive o privilégio de contribuir de uma forma ainda mais imediata. Fui o orgulhoso assistente do amigo Luís Carlos (colaborador excepcional da Associação) para fazer um portão que já há muito era desejado por toda a equipa. Basicamente um portão que se construiu para facilitar a movimentação / circulação, dos nossos "meninos e meninas" na zona dos gordinhos. Entre manjedouras e a saída ideal, lá engendramos uma ambicioso projecto de engenharia que felizmente foi realizado com sucesso. Fotos na nossa galeria!
E assim se passou mais um longo dia, repleto de tarefas, e com a sensação de que estava realmente a contribuir de forma relevante para algo superior a mim próprio... que sensação tão boa!

Dia 4: É preciso dizer que mais uma vez começou cedo? As horas são sempre as mesmas, isto porque os nossos animais necessitam de cuidados essenciais para o seu bem-estar sempre. Não há excepções... não há Sábados, Domingos, Feriados, ou hoje não posso, hoje não quero... o cuidado com estes seres maravilhosos é imperativo e constante e por isso o árduo trabalho da equipa da AEPGA é tão importante. A dedicação deles é crucial para que o Burro Mirandês ainda exista nos dias de hoje, e para que estes e outros Burricos tenham qualidade de vida até ao seu último suspiro. Fazer parte disto, é indescritível!
Agora vamos ao dia em si, por sinal de extrema importância! Na teoria simples, na verdade impactante, na prática muito complexo e trabalhoso.
Começamos por ir à Burrada buscar 6 Burros que pela sua condição física, idade, e principalmente temperamento, estão preparados para serem verdadeiros Super Heróis. A tarefa inicial era colocar as cabeçadas e controlar cada um, e depois, um a um calmamente metê-los na box do camião de transporte. A partir daí foi fazer uns belos quilómetros para os levar ao destino final onde vão fazer um extraordinário trabalho nos próximos 2 meses.
O caminho nem sempre é fácil e acessível porque na realidade a tarefa deles é fazer um trabalho numa localização remota com um intuito de contribuir para a prevenção da proliferação de incêndios. A partir de certo ponto, o camião já não vai mais... não há problema, fomos a pé. Retiramos os Burros do camião... eu, a Joana (uma das principais colaboradoras da AEPGA que só pela alegria de viver contagia qualquer um), e o Luís (um parceiro que mais à frente falarei melhor dele), levamos 2 Burros cada um. Monte acima, monte baixo, com um calor considerável e estranho para esta altura do ano, mas lá fomos. Alguns bem comportados, outros mais agitados, possivelmente por não me conhecerem, mas no geral tudo correu na perfeição!
Chegamos ao destino final, eles foram soltos... já lá estava outra equipa a garantir que eles tinham comidinha da boa, e depois foi só tratar de garantir a limpeza dos bebedouros e respectivo abastecimento de água. Tudo parece simples mas na realidade é um processo logístico complexo e que implica muita gente e muito trabalho. Claro que a nossa excelente equipa tratou de tudo com a maior dedicação, e por isso, os nossos Burricos vão estar nos próximos 2 meses a fazer um trabalho importantíssimo como parte da Brigada Florestal Animal, e com todas as condições. Vão estrategicamente limpar, pisar e preparar aquele terreno remoto para que no caso de haver um incêndio, as chamas não se propaguem. Ou seja, como disse: Verdadeiros Heróis

Dia 5: Se até agora a descrição dos meus dias vos surpreendeu, esperem até ver este dia!
Quanto ao cedo, acho que já estamos falados... mas o importante deste dia para mim foi na verdade a reflexão que este me proporcionou. De longe foi o dia mais exigente fisicamente para mim, não só pelo calor mas pela tarefa... no entanto, deu para pôr todo o trabalho da equipa da AEPGA em perspectiva e também para aprender coisas novas e ter experiências únicas.
Na realidade este dia é muito fácil de descrever e resume-se a limpar cocó de Burro o dia inteiro no PINTA (Parque Ibérico de Natureza e Aventura)... foi duro? Foi. Foi bom? Muito!
Aprendi muito sobre os cuidados que são necessários ter para garantir um ambiente saudável para os nossos amigos, tive o prazer de conhecer a Damila (uma simpática entusiasta e talentosa colaboradora da Associação que, estando lá muito tempo sozinha, orienta todo o processo desta célula da AEPGA).
Além desta pesada tarefa, o meu amigo Luís (pelo que percebo, um elemento chave e extremamente importante para a Associação), percebendo o meu esforço e dedicação durante todo o processo, decidiu dar-me um "presente" para me recompensar... ensinou-me e permitiu-me conduzir pela primeira vez um tractor. Fiquei maravilhado!
Claro que isto foi feito em terreno seguro e seguindo todas as normas de segurança imperativas, e garantindo a saúde e vida de todos. Enfim, algo que me marcou e ficará para sempre no meu livro de memórias!
No final, após um dia fisicamente exigente, foi só regressar à minha já querida Escola Primária de Teixeira, tomar um bom banho, e seguir para a aldeia de Sendim para me alimentar devidamente com a deliciosa e tradicional Posta à Mirandesa da famosa Gabriela.
Que dia... que semana... que experiência!

Dia 6: Sem me aperceber, chegamos ao final de semana, e consequentemente ao último dia de voluntariado... este que viria a ser provavelmente um dos mais, se não o mais, significativo para mim. Eu decidi intitular o dia como: O dia dos resgates!
O dia dos resgates, como o próprio nome indica, foi o dia em que tive a fortuna de ser escolhido para ir acompanhar o meu amigo Luís a fazer o resgate de 1 Burra e 1 Burro.
Apesar de ser 6ª Feira 13, o que para alguns significaria dia de azar, para a Jandira e para o Ricardo, este foi um dia de sorte. Estes 2 Burrinhos estavam com os seus respectivos donos há muitos anos, mas infelizmente, devido às difíceis circunstâncias da vida de cada um, já não conseguiam dar o devido cuidado aos seus companheiros. Tiveram a humildade de o reconhecer e a coragem de "entregar" os seus amigos, aos cuidados da AEPGA. Sim, porque a Associação não se foca apenas no estudo e protecção do Burro de Miranda mas cuida também em geral de todos os burros que necessitem de apoio especializado.
De manhã cedo abalamos com o camião em direcção à aldeia de Santalhas, logo após Vinhais, para o primeiro resgate. Confesso que ia preocupado pela potencial dificuldade que teria no processo. Mas o Luís, experiente funcionário da AEPGA e que se tornou num amigo, logo me tranquilizou. Durante aquelas horas de viagem, partilhamos as nossas ideias, as nossas vidas e muitas confidencias que fizeram com que este dia fosse ainda mais especial para mim. Fiz mais um amigo...
Lá chegamos. Fomos recebidos de forma carinhosa pelo dono da Burrinha e os amigos da aldeia que dela tomaram conta nos últimos dias, e tratamos de todo o processo (parte física: colocar a Jandira no camião; e parte burocrática: tratar de toda a papelada oficial para garantir que tudo ficava em conformidade com os requisitos legais). No espaço de 15 minutos estava terminado o nosso primeiro resgate do dia.
De seguida, foi a merecida hora de almoço em que aproveitei para não só me deliciar com as iguarias locais de Vinhais, mas também fortalecer o meu conhecimento sobre aquele homem fantástico que durante toda a semana me ensinou tanto.
Sem grande tempo para perder, chegou a hora de nos "fazermos à estrada" e ir de encontro ao nosso 2 resgate... o do Ricardo em Constantim. Foram umas boas horas de caminho em que troquei com o Luís umas belas músicas e mais umas óptimas conversas. Isto foi algo que me maravilhou em toda a experiência... não foi só sobre Burros, ou sobre Pessoas, ou sobre Aldeias... foi sobre TUDO! Uma verdadeira perspectiva holística da realidade da AEPGA.
Chegados a Constantim, e à semelhança do que tinha acontecido anteriormente fomos muito bem recebidos e todo o processo de resgate do Ricardo foi feito com naturalidade e acima de tudo humanidade. É lindo ver o amor que os donos têm pelos Burrinhos, e o amor que os próximos cuidadores, neste caso a Associação e os seus colaboradores, também o demonstram logo no primeiro contacto. Basta assistir para perceber que de facto aqueles que são resgatados vão ter amor, carinho, atenção, e todos os cuidados médicos necessários para ter o principal... conforto.
Depois deste longo processo de resgate, eu e o Luís, levamos os nossos 2 "novos" Burrinhos para um local seguro e com todas as condições necessárias para que sintam felizes e confortáveis. Foram para a aldeia de Duas Igrejas e juntaram-se a um grupo de Burricos que os irá com certeza fazer sentir em casa.
Missão cumprida, era tempo de regressar a Atenor e selar o dia de trabalho com o tradicional copo de vinho ou cerveja no café do centro. O café de manhã, e o copo no final do dia foram mais do que um hábito, foram um verdadeiro ritual.
Sendo este o último dia, ainda havia um evento que não poderíamos perder e queríamos muito assistir... a noite de cinema. Regressei a Teixeira, tomei a minha banhoca e depressa preparei a janta. A Monike disponibilizou-se para conduzir (como na verdade fez quase a semana toda para o grupo) e fomos para uma noite de cinema e convívio em Vimioso no PINTA (Parque Ibérico de Natureza e Aventura), em Vimioso.
Encontramos muita da equipa da AEPGA e assistimos a um filme todos juntos... foi bom... foi diferente... foi intimo... foi bonito... Aproveitamos o momento para as despedidas e regressamos a Teixeira para a última dormida. Que semana...

Dia 7: O pior dia de todos... ir embora. Deixar aquelas pessoas, aquelas aldeias, aquele ritmo, e principalmente, aqueles Seres Vivos Maravilhosos... os Nossos Burros! (Sim, digo nossos porque quer se queria quer não, após esta semana eu também os sinto como meus... ou melhor, como parte de mim).
Acordei mais cedo do que pensava, "arrumei-me" rapidamente e saí. Não gosto de despedidas... Fui à sede da Associação dar um último abraço à simpática Daniela com quem infelizmente passei pouco tempo mas é muito fácil perceber que ela e o namorado são pessoas extraordinárias, e receber um miminho que amavelmente me foi oferecido... a T-shirt mais importante que tenho no dia de hoje (ver a última foto!).
Fui tomar o meu tradicional café no sitio de sempre, despedi-me dos cães que durante toda a semana me cumprimentavam com amor e carinho de manhã e no final do dia, meti primeira e arranquei em direcção à minha terra natal, o Porto.

Saí de coração cheio, de cabeça cheia de novo conhecimento, e também com o sentido de missão cumprida em todas as dimensões que este tipo de experiência implica.
Vou voltar... quando? Não sei.
Porquê? Basta ler tudo o que está escrito acima...
Obrigado AEPGA (incluindo aqui toda a equipa, e claro os Nossos Burros), obrigado à comunidade do Planalto Transmontano que tão bem me recebeu, e um enorme obrigado às minhas companheiras Voluntárias (Monike, Rute e Joana ) que tornaram esta experiência ainda mais especial.
Abreijos do Pedro Flores"